Sabes aquela sensação de vazio? O poder fazer tudo e algo mais, o querer fazer tudo e algo mais, o desejar fazer algo mais, o fazê-lo, e, no entanto, não fazer coisa alguma, porque a única coisa que verdadeiramente queremos está-nos vedada e não há nada mais que se possa fazer então? A vida perde toda a sua cor enquanto me sento, em silêncio e de olhos fechados, no meu mundo, à espera que o torne o teu mundo. Não és mais que uma pessoa comum e, no entanto, és mais comum que qualquer pessoa e até, nem és uma pessoa comum, afinal, porque as pessoas comuns não me deixam assim, as pessoas comuns não conseguem alterar completamente o meu estado de espírito. Talvez seja a única forma de me sentir humana, a maneira como todos os dias aguento sem fazer alguma loucura, continuando no meu canto sombrio enquanto o tempo passa e lá fora, todos são felizes. Perdi tudo, todos os sonhos, todas as vontades, todos os desejos, e, como toda a gente, sou apenas uma carcaça a apodrecer mas, a única coisa que poderia ter da tua parte era um pouco de compreensão. Sim, compreensão era o essencial. Eu não te persigo. Tu persegues-me a toda a hora e momento, porque estás sempre presente no meu pensamento, ainda que eu não quisesse que isso fosse assim. Já há algum tempo tento esquecer-te, mas ainda não descobri uma forma de pôr esse plano em prática, porque na minha vida amarga, o único sorriso que os meus lábios podem esboçar, é quando estás comigo, apenas por respirares assim, quase a sorrir. Quem mais consegue fazer com que o ar sorria, apenas fitando-me nos olhos, com aqueles teus olhos… O teu sorriso estende-se e espreguiça-se pelo teu rosto pálido, mesmo debaixo do teu nariz. Devagar, abre-se em dois e mostra ao mundo aquilo que tens de tão bom: tu mesmo. Tu, e não eu, o mundo e não eu. Eu nunca apareço, em nada. Sou apenas um objecto externo de observação passiva. Mas continuo lá. Quero fugir. Ainda não consegui. Está-se a tornar mais forte que eu. Perdi o sono hoje, perdi o sono ontem, e talvez, no dia anterior. Os dias escorregam lentamente pelas areias do tempo e eu continuo lá sentada, naquela cadeira cinzenta, naquele quarto escuro, com uma janela onde observo todo o mundo. E estão todos lá, felizes. Mas tu estás lá, também no meio. Posso deixar de olhar, mas sempre que lá vou àquela janela, e acredita que é viciante, continuas tu lá, sempre. As pessoas mudam, as coisas mudam, mas consigo sempre ver-te, consigo sempre. E não queria. Fecho os olhos então, e o resto do mundo fica em silêncio. O mundo apenas, porque apesar de me sentir vazia, e algo sozinha dentro daquela sala, não consigo deixar de pensar em ti. És demasiado importante na minha vida, apesar de nunca termos falado. Nunca falamos assim, verdadeiramente. Ou melhor nunca falamos. Já partilhamos algumas experiências, mas nós não temos nada e nunca poderíamos ter, porque seria um poço sem fundo. O poço sem fundo aonde me encontro lá, ao fundo. Sempre lá em baixo, ou lá em cima, não sei. Os dias continuam todos a parecer iguais. Já nem sei que dia é. Já perdi a conta. Já perdi a noção de tudo. Todas as pessoas que passaram ao longo da minha vida, são estranhos agora. Tu também és estranho, mas de uma maneira diferente. És estranho como eu, mas completamente o oposto. E ainda não te conheço. E nunca te vou conhecer. Abro os olhos outra vez, e o brilho que emanas, de tão longe, do teu mundo, mistura-se com as minhas lágrimas, e apercebo-me, como sempre, do distanciamento das coisas, não apenas de ti, isso é obvio, mas das coisas mundanas, que nos mantêm vivo. Afinal, não és assim tão estranho, conseguis-te entrar em mim e sugar tudo aquilo que tinha vida, e não era muito, mas agora nem é, porque estou vazia. Não me recordo do teu nome, mas sei que preciso de ti. Ainda não te conheci e não te vou conhecer, não vou conhecer mais do que a cadeira cinzenta, Não há mais ninguém. Nunca houve. Se houve, não me lembro. Mas, lá no fundo de mim, sei que não. Era demasiado incerto. Se tivesse conhecido a felicidade deveria trazer algumas recordações. Mas nem sei o que isso é. Não sei quem tu és, sequer, e continuas sempre a atormentar-me. Não vivo num mundo. O mundo é teu e de mais ninguém. É também dos outros. Mas eu não estou lá, não sei onde estou. Não sei onde vou. Sei que não vou por aí. Também não sei como abandonar este canto sombrio. Sinto-me longe, não de tudo mas da maior parte das coisas…de quem não está presente, das lágrimas que caem das saudades de quem não volta mais, dos gritos que o silêncio faz na nossa alma, do completo preenchimento de vazio que contém o coração, de tanto e de nada ao mesmo tempo! Apenas te quero. Ainda quero perder-me no teu corpo, morder o teu pescoço. Acariciar a prontidão do teu desejo enquanto as minhas pernas se entrelaçam com as tuas e a tua língua percorre os meus seios. Quero sentir a tua pele nívea junto da minha, enquanto me dás pequenas dentadas no lábio, e enquanto me olhas, com esses teu olhar único. Se calhar, não preciso de tanto assim, para conseguir viver. Se calhar, basta me olhar daquela janela e ver que estás bem, no teu mundo. O que se passa no meu ninguém sabe, e eu nem sequer sei quem é ninguém, mas sei que te amo, e isso basta, porque tem de ser assim.